terça-feira, 28 de junho de 2016

Acorda Povo e Bandeira de São João da Várzea

As celebrações religiosas podem exprimir diversos sentimentos que uma comunidade pode guardar sobre o seu passado e sua cultura. Valores, crenças, identidade, fé, axé, reforçam o sentimento de preservação, de tornar aquela expressão cultural próxima, viva e sempre vivida. A Procissão da Bandeira de São João  e Acorda Povo da Várzea dão aos seus participantes e membros da comunidade os sentimentos de pertencimento e de identidade que são expressas de diversas maneiras através de expressões orais, corporais, objetos e ritos. 
 O que é
 A Bandeira de São João é uma das procissões mais antigas do Brasil. Saindo no dia 23 de Junho, a procissão percorre as ruas do Bairro levando consigo um andor com a imagem de “São João do Carneirinho” e um estandarte com a imagem do santo na frente do cortejo junto às pessoas da comunidade e visitantes acompanhados por músicos. A procissão, junto à bandeira e o andor, saem da casa-capela (casa onde ficaram guardados durante o ano) onde foram guardados pelo “padrinho” ou “madrinha” da procissão, passa pelos principais pontos do bairro, pela igreja Católica e a Praça do Rosário, onde acontece uma confraternização com comidas e bebidas típicas da festa e também é onde será escolhido o próximo “padrinho” ou “madrinha”. A bandeira, junto ao andor deverá seguir para próxima casa-capela.  Também é notória a presença das cores vermelha e branca na festa, que faz parte da homenagem a Xangô segundo seus organizadores, Orixá do Candomblé cujo culto também está presente nas raízes do evento.

Onde é
A procissão sempre acontece no bairro da Várzea, no Recife. Os pontos de partida e de chegada mudam todo ano conforme aparecem novos padrinhos e novas casas-capela, contudo, alguns pontos específicos sempre são mantidos no percurso. Um desses pontos é a Praça da Várzea (Praça Pinto Dâmasso), também conhecida pelos moradores do bairro como o “marco zero da Várzea”, a procissão sempre faz uma parada na Praça Pinto Dâmaso. O segundo ponto de referência é a Praça do Rosário, em frente à capela, onde a procissão faz uma segunda parada e é onde será escolhida a próxima casa-capela e o destino final.
                                                      Casas capela do ano de 2016

Períodos Importantes
 O primeiro período que podemos destacar é o dos ensaios, estes começam a partir do primeiro sábado do mês de Junho. Se tratando de um evento Junino, a procissão sai às ruas no dia 23 de junho, véspera de São João.

História
 A Bandeira de São João é uma das procissões mais antigas do Brasil. Organizada pela Igreja Católica, a Bandeira de São João saía nas primeiras horas do dia 23 de junho, após a acender as fogueiras. Puxando o cortejo, o andor e a bandeira de “São João do Carneirinho” ou “São João menino” saía pelas ruas dos vilarejos ao som de pequenos grupos musicais. A interação dos escravizados africanos ao cortejo proporcionou a introdução de alguns instrumentos de percussão; ocasião em que muitos negros aproveitavam para louvar o orixá Xangô.
O ritual terminava quando entregavam a imagem de São João na igreja da comunidade. Com o tempo, em razão do grande agito (danças, e cantos no interior dos templos), a Igreja Católica proibiu que o cortejo seguisse até o interior do templo. Sendo assim, o andor e a bandeira passaram a ser guardados nas casas dos fiéis participantes da procissão.
Essa atitude acabou por dividir o folguedo em duas manifestações: uma religiosa e outra profana. A Bandeira de São João tornou-se uma procissão com rezas e cânticos em louvor ao santo. A festa profana foi chamada de Acorda Povo, e saía durante a madrugada com um grupo de cantores e batuqueiros acordando os moradores da cidade para participar da comemoração, regada a muito bebida e comida típica.
No bairro da Várzea, o “Acorda Povo” nasce de uma iniciativa de professores da UFPE junto aos moradores da comunidade empenhados em regatar as raízes culturais da localidade. O “Acorda Povo” surge, bem como outras manifestações culturais do bairro, de um esforço de pessoas interessadas em preservar e resgatar elementos da cultura local e fazer com que eles se perpetuem para as gerações futuras.
Em 1982 a professora do Colégio de Aplicação da UFPE, Cirinéia Amaral e sua Amiga Gilda Macêdo convidaram membros da comunidade da Várzea preocupados com a preservação das manifestações culturais do bairro para que juntos preparassem o “Acorda Povo”.
Na década de 1990 era marcante a presença de fiéis do Candomblé e a presença da religião na procissão, devida sobretudo, à presença da mãe de santo Mãe Zuleide. Após a sua morte os adeptos de sua religião passaram a participar do “Acorda Povo” enquanto indivíduos, sem que houvessem manifestações referentes ao Candomblé na procissão.
 Tradicionalmente, as bandeiras de São João, inclusive a do Bairro da Várzea, saíam às 00:00 pelas ruas do bairro, vindo daí o nome “Acorda Povo”, contudo, devido ao aumento da violência no Estado as manifestações passaram a ser realizadas mais cedo. No bairro da Várzea a procissão passou a ser realizada às 20:00, horário do término da missa da Igreja Matriz do bairro.
Antes da saída, na casa do organizador (toda enfeitada com bandeirolas, balões e fogueira), o cortejo realiza orações, pedindo bençãos, e louvando o santo diante da casa-capela. Dão vivas e geralmente soltam muitos fogos de artifícios. Muitas pessoas se vestem com as cores do santo ou orixá de sua devoção, o vermelho e o branco, e saem pelas ruas.
A bandeira de São João da Várzea é organizada desde 1992, sendo uma das mais recentes e menos conhecidas Bandeiras de São João de Recife. Surgiu de uma ação dos moradores e professores da UFPE com o intuito de preservar a cultura do bairro fazendo isso de maneira autônoma, independente dos órgãos de cultura do Estado, que segundo os organizadores do evento, terminam por descaracterizar muitos festejos juninos.

Significados
 A devoção religiosa é algo muito marcante na procissão. Para os fiéis católicos, a devoção a São João Batista, considerado pelos fiéis o profeta percursor do Messias e responsável pelo seu batismo, sua imagem está sempre presente na celebração. Para os fiéis do Candomblé o culto ao orixá Xangô, que foi interpretado na figura de São João durante o período colonial e que até hoje se faz presente na procissão. Tratando-se especificamente da Bandeira de São João da Várzea, a preservação da cultura local é o significado mais marcante.
            Esta vontade de preservação da cultura do bairro, vontade vinda nas iniciativas dos fiéis e de não-fiéis, de moradores e de não-moradores, mas em todo caso, de pessoas interessadas em incentivar e preservar as manifestações culturais do bairro. Algo muito relevante e que deve ser ressaltado é a harmonia entre as diferentes religiões presentes na mesma festa. Também há na procissão um sentido de “purificação” para os fiéis.

Programação
As reuniões com os coordenadores começam a partir do mês de maio. Neste período os músicos são contratados, é decidido como será a preparação da casa-capela e quem participará desta preparação. Também é neste período que há uma procura por auxilio da prefeitura da cidade do Recife, caso haja um incentivo da prefeitura, a bandeira desfila na abertura do São João da cidade, contudo, mesmo sem a participação da prefeitura o evento acontece.
            No primeiro Sábado do mês de Junho começam os ensaios para a celebração e estes vão até o último sábado antes do dia 23 de junho. No dia 23 acontece a procissão da bandeira de São João.

Pessoas Envolvidas
            Existe um grupo de coordenadores composto por três membros, estas pessoas são responsáveis pelo andamento da programação da procissão. Além destas, existe o grupo de músicos que sempre são contratados para participarem do evento. Há também a presença da “madrinha” ou “padrinho” da bandeira. Os demais participantes são membros da comunidade de maneira geral e convidados.

Comidas e Bebidas
            Comidas típicas dos festejos juninos de maneira geral: canjica, pamonha, milho cozido, bolo de milho verde, amendoim e pipoca.
            Uma bebida é preparada especificamente para esta festa e era preparada originalmente pelos participantes do “Acorda Povo”, o “Quentão”, bebida preparada com vinho, cachaça, ervas de cheiro e gengibre. Devido às temperaturas mais baixas no mês de junho, a bebida é servida quente. A presença desta bebida típica dos estados do Sul do país se deve a preparação da bebida por uma das idealizadoras da manifestação nos períodos iniciais da criação do “Acorda povo” da Várzea. 
Expressões Corporais
            Devido o “afastamento” da celebração em relação a igreja católica, é encenado na procissão um batismo, e como não há participação do padre, um membro participante da procissão assume o papel do padre para encenar um batismo e uma purificação com água de cheiro. Além dessa encenação também há uma louvação a São João Batista.
Expressões Orais
            Existem as músicas que são específicas da procissão. Uma delas é a música principal: “Acorda povo, que o galo cantou, foi São João que anunciou!”.
            Além da música do “Acorda Povo”, há inicialmente as louvações a São João e a Xangô que são cantadas. No momento da encenação do batismo também há uma canção específica para o batismo. No momento inicial, durante a bênção do Padre há outro canto religioso específico.
            O roteio musical passa por alterações todos os anos, contudo, alguns ritos tradicionais sempre são preservados no evento. São eles:

Louvação
Meu São João
Meu São João
Hoje será tua festa
Saudamos tua Brincadeira
São João mandou
São João mandou
Cantar, dançar noite inteira
Para louvar a fogueira

Batismo
O anjo do Senhor
Anunciou Jesus
Quem batizou Jesus
 Foi São João
O anjo do Senhor
Anunciou Jesus
Quem batizou Jesus
 Foi São João
Jesus morreu na Cruz
Pelos nossos pecados
Por isso que nós hoje
Somos Perdoados

Louvação ao Orixá da Justiça
Meu pai São João Batista é Xangô
Dono do meu destino até o fim
Se eu deixar de confiar em ti
Oh meu senhor!
Derruba uma pedreira sobre mim.

Acorda Povo
Acorda povo que o galo cantou
Foi São João que anunciou
Que bandeira é essa que vamos levar
É de São João pra festejar
Acorda povo que o galo cantou
Foi São João que anunciou
Se São João soubesse quando era o seu dia
Descia do céu com prazer e alegria
São João foi tomar banho
Com vinte e cinco donzelas
As donzelas caíram na água
São João caiu com elas
Acorda povo que o galo cantou
Foi São João que anunciou
Ô meu São João vou me banhar
E as minhas mazelas no rio deixei


No final das encenações e no ponto final da procissão, são incorporadas músicas juninas ao repertório musical.
Os instrumentos usados no festejo são: Sanfona, acordeom, atabaque, Zabumba e Ganzá.

Objetos importantes
            O principal objeto usado é o andor com a imagem de São João que é levado entre os fiéis durante o cortejo. A bandeira com a imagem de São João do Carneirinho segue como um estandarte da procissão. A frente e na abertura da procissão há uma estrela seguida de luminárias que representam o fogo usados para anunciar o nascimento do messias na religião católica. Além da bandeira de São João do Carneirinho, outras 4 bandeiras são levadas com a imagens dos demais santos dos festejos juninos, além de São João, Santo Antônio, São Pedro e São Paulo. 

  Bandeira de São João da Várzea; São João do Carneirinho; andor e estrela.
                          Andor com a imagem de São João

Outras Referências Culturais Relacionadas
            Na procissão também são unidos e apresentados um Coco de Roda e uma Ciranda, ambos grupos do mesmo bairro.
            Há também uma forte relação com a praça central do bairro, quando possível também é feita uma louvação na praça. Também há uma ligação com a Igreja do Rosário que também é um dos marcos do bairro, vários de seus membros também são participantes do Acorda Povo.
Avaliação
            Primeiramente podemos destacar a identidade da comunidade varzeana. A procissão da Bandeira de São João e o Acorda povo são manifestações culturais que atestam como aquela comunidade vem se relacionando com as diferentes culturas e tradições religiosas presentes no bairro. Atesta também a harmonia que há entre diferentes culturas, este é um traço de grade apreço e relevância do bairro.    
   A identidade desta comunidade também está na sua cultura. Podemos entender esta como tudo aquilo que ela constrói coletivamente e que guarda os traços de sua memória e que também representam pontos de identidade como a herança cultural do bairro. Inclui os mitos, símbolos, ritos, todas as crenças, todo o conjunto de conhecimentos e todo o comportamento. Portanto, conhecer e valorizar a própria cultura é uma maneira da comunidade e de seus moradores individualmente e coletivamente de se afirmar como portadores destes traços culturais específicos que caracterizam a comunidade do Bairro.
A procissão também representa a vontade da própria população em preservar a sua cultura. Desde a sua criação essa preocupação ficou evidente na postura dos seus idealizadores em ter demonstrado todo o cuidado necessário para que a procissão fosse preservada sem que acontecesse uma descaracterização, uma característica relevante deste evento.
Recomendações
            Os organizadores do evento não contam com nenhum tipo de ajuda de órgãos governamentais responsáveis pelos eventos culturais. O custeio da celebração pode se tornar um problema, pois depende da condição financeira de seus membros. É recomendável que haja um mínimo de auxílio financeiro para o custeio da festa de maneira perene, e não ocasionalmente como acontece em relação ao apoio da prefeitura da cidade.
            A divulgação do evento também é algo que pode fazer diferença para o futuro desta celebração. A intensão do evento é fazer com que se crie também um momento de confraternização entre fiéis e entre moradores, uma maior aproximação entre uma maior parcela de pessoas poderia ser alcançada com uma melhor divulgação do evento, pois os organizadores e membros não possuem meios para que isso seja feito da melhor maneira. É necessário também que haja um meio de levar essa tradição para os membros mais jovens da comunidade, pois estes poderiam dar continuidade no trabalho que começou na década de 1990 pelos seus idealizadores. Para além da preservação deste patrimônio, é de suma importância que os jovens do bairro tomem conhecimento e se apropriem também das manifestações culturais do bairro. Uma ação no âmbito da educação patrimonial poderia ser algo de grande relevância.
            Contudo, apesar das oportunidades de melhorar as condições da celebração, é imprescindível que haja um devido respeito aos limites impostos pelos próprios participantes, é necessário que se mantenha a autonomia deste grupo que vem mantendo com os seus próprios esforços esta tradição por anos. 
          Bandeira de São João da Várzea sendo levada por Maria José, uma de suas organizadoras.

6 comentários:

  1. Só faltou colocar os créditos nas fotos. Existe uma lei ( Lei 9610/98, Art. 7, Inc. VII) que fala sobre autoria de fotos e vocês estão usando fotos sem a permissão do autor.

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  2. Qualquer tipo de uso tem que ser previamente permitido por quem fez a foto, com tudo acertado em contrato. Abaixo alguns exemplos de usos que devem ter a sua aprovação prévia, no Art. 29:
    •I – a reprodução parcial ou integral;
    •II – a edição;
    •VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
    •VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
    •X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.


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  3. A Lei dos Direitos Autorais (9.610/98), em seu artigo 7, diz que a fotografia é obra intelectual protegida. E o artigo 29 aponta que sua reprodução depende de autorização prévia e expressa do autor. Assim, quem viola esses dispositivos fere direitos de personalidade assegurados no artigo 5º da Constituição, atraindo o dever de indenizar na esfera cível.

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