terça-feira, 28 de junho de 2016

Irmã Helena

A irmã Helena é uma freira integrante da irmandade das "Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo" (entidade que, junto à Santa Casa de Misericórdia do Recife, faz a gestão da instituição), atuando desde 2003 como gestora do Educandário Magalhães Bastos. Atualmente, aos 80 anos, está em seu quinto triênio (2015-2017) nessa função. Antes mesmo de atuar como gestora, já trabalhava na administração desde o começo da década de 1990. Mostrou-se bastante solícita na entrevista que concedeu, na exposição do prédio, na disponibilidade de documentos, na explicação do histórico do prédio e sua importância na comunidade em que está inserida.

Acorda Povo e Bandeira de São João da Várzea

As celebrações religiosas podem exprimir diversos sentimentos que uma comunidade pode guardar sobre o seu passado e sua cultura. Valores, crenças, identidade, fé, axé, reforçam o sentimento de preservação, de tornar aquela expressão cultural próxima, viva e sempre vivida. A Procissão da Bandeira de São João  e Acorda Povo da Várzea dão aos seus participantes e membros da comunidade os sentimentos de pertencimento e de identidade que são expressas de diversas maneiras através de expressões orais, corporais, objetos e ritos. 
 O que é
 A Bandeira de São João é uma das procissões mais antigas do Brasil. Saindo no dia 23 de Junho, a procissão percorre as ruas do Bairro levando consigo um andor com a imagem de “São João do Carneirinho” e um estandarte com a imagem do santo na frente do cortejo junto às pessoas da comunidade e visitantes acompanhados por músicos. A procissão, junto à bandeira e o andor, saem da casa-capela (casa onde ficaram guardados durante o ano) onde foram guardados pelo “padrinho” ou “madrinha” da procissão, passa pelos principais pontos do bairro, pela igreja Católica e a Praça do Rosário, onde acontece uma confraternização com comidas e bebidas típicas da festa e também é onde será escolhido o próximo “padrinho” ou “madrinha”. A bandeira, junto ao andor deverá seguir para próxima casa-capela.  Também é notória a presença das cores vermelha e branca na festa, que faz parte da homenagem a Xangô segundo seus organizadores, Orixá do Candomblé cujo culto também está presente nas raízes do evento.

Onde é
A procissão sempre acontece no bairro da Várzea, no Recife. Os pontos de partida e de chegada mudam todo ano conforme aparecem novos padrinhos e novas casas-capela, contudo, alguns pontos específicos sempre são mantidos no percurso. Um desses pontos é a Praça da Várzea (Praça Pinto Dâmasso), também conhecida pelos moradores do bairro como o “marco zero da Várzea”, a procissão sempre faz uma parada na Praça Pinto Dâmaso. O segundo ponto de referência é a Praça do Rosário, em frente à capela, onde a procissão faz uma segunda parada e é onde será escolhida a próxima casa-capela e o destino final.
                                                      Casas capela do ano de 2016

Períodos Importantes
 O primeiro período que podemos destacar é o dos ensaios, estes começam a partir do primeiro sábado do mês de Junho. Se tratando de um evento Junino, a procissão sai às ruas no dia 23 de junho, véspera de São João.

História
 A Bandeira de São João é uma das procissões mais antigas do Brasil. Organizada pela Igreja Católica, a Bandeira de São João saía nas primeiras horas do dia 23 de junho, após a acender as fogueiras. Puxando o cortejo, o andor e a bandeira de “São João do Carneirinho” ou “São João menino” saía pelas ruas dos vilarejos ao som de pequenos grupos musicais. A interação dos escravizados africanos ao cortejo proporcionou a introdução de alguns instrumentos de percussão; ocasião em que muitos negros aproveitavam para louvar o orixá Xangô.
O ritual terminava quando entregavam a imagem de São João na igreja da comunidade. Com o tempo, em razão do grande agito (danças, e cantos no interior dos templos), a Igreja Católica proibiu que o cortejo seguisse até o interior do templo. Sendo assim, o andor e a bandeira passaram a ser guardados nas casas dos fiéis participantes da procissão.
Essa atitude acabou por dividir o folguedo em duas manifestações: uma religiosa e outra profana. A Bandeira de São João tornou-se uma procissão com rezas e cânticos em louvor ao santo. A festa profana foi chamada de Acorda Povo, e saía durante a madrugada com um grupo de cantores e batuqueiros acordando os moradores da cidade para participar da comemoração, regada a muito bebida e comida típica.
No bairro da Várzea, o “Acorda Povo” nasce de uma iniciativa de professores da UFPE junto aos moradores da comunidade empenhados em regatar as raízes culturais da localidade. O “Acorda Povo” surge, bem como outras manifestações culturais do bairro, de um esforço de pessoas interessadas em preservar e resgatar elementos da cultura local e fazer com que eles se perpetuem para as gerações futuras.
Em 1982 a professora do Colégio de Aplicação da UFPE, Cirinéia Amaral e sua Amiga Gilda Macêdo convidaram membros da comunidade da Várzea preocupados com a preservação das manifestações culturais do bairro para que juntos preparassem o “Acorda Povo”.
Na década de 1990 era marcante a presença de fiéis do Candomblé e a presença da religião na procissão, devida sobretudo, à presença da mãe de santo Mãe Zuleide. Após a sua morte os adeptos de sua religião passaram a participar do “Acorda Povo” enquanto indivíduos, sem que houvessem manifestações referentes ao Candomblé na procissão.
 Tradicionalmente, as bandeiras de São João, inclusive a do Bairro da Várzea, saíam às 00:00 pelas ruas do bairro, vindo daí o nome “Acorda Povo”, contudo, devido ao aumento da violência no Estado as manifestações passaram a ser realizadas mais cedo. No bairro da Várzea a procissão passou a ser realizada às 20:00, horário do término da missa da Igreja Matriz do bairro.
Antes da saída, na casa do organizador (toda enfeitada com bandeirolas, balões e fogueira), o cortejo realiza orações, pedindo bençãos, e louvando o santo diante da casa-capela. Dão vivas e geralmente soltam muitos fogos de artifícios. Muitas pessoas se vestem com as cores do santo ou orixá de sua devoção, o vermelho e o branco, e saem pelas ruas.
A bandeira de São João da Várzea é organizada desde 1992, sendo uma das mais recentes e menos conhecidas Bandeiras de São João de Recife. Surgiu de uma ação dos moradores e professores da UFPE com o intuito de preservar a cultura do bairro fazendo isso de maneira autônoma, independente dos órgãos de cultura do Estado, que segundo os organizadores do evento, terminam por descaracterizar muitos festejos juninos.

Significados
 A devoção religiosa é algo muito marcante na procissão. Para os fiéis católicos, a devoção a São João Batista, considerado pelos fiéis o profeta percursor do Messias e responsável pelo seu batismo, sua imagem está sempre presente na celebração. Para os fiéis do Candomblé o culto ao orixá Xangô, que foi interpretado na figura de São João durante o período colonial e que até hoje se faz presente na procissão. Tratando-se especificamente da Bandeira de São João da Várzea, a preservação da cultura local é o significado mais marcante.
            Esta vontade de preservação da cultura do bairro, vontade vinda nas iniciativas dos fiéis e de não-fiéis, de moradores e de não-moradores, mas em todo caso, de pessoas interessadas em incentivar e preservar as manifestações culturais do bairro. Algo muito relevante e que deve ser ressaltado é a harmonia entre as diferentes religiões presentes na mesma festa. Também há na procissão um sentido de “purificação” para os fiéis.

Programação
As reuniões com os coordenadores começam a partir do mês de maio. Neste período os músicos são contratados, é decidido como será a preparação da casa-capela e quem participará desta preparação. Também é neste período que há uma procura por auxilio da prefeitura da cidade do Recife, caso haja um incentivo da prefeitura, a bandeira desfila na abertura do São João da cidade, contudo, mesmo sem a participação da prefeitura o evento acontece.
            No primeiro Sábado do mês de Junho começam os ensaios para a celebração e estes vão até o último sábado antes do dia 23 de junho. No dia 23 acontece a procissão da bandeira de São João.

Pessoas Envolvidas
            Existe um grupo de coordenadores composto por três membros, estas pessoas são responsáveis pelo andamento da programação da procissão. Além destas, existe o grupo de músicos que sempre são contratados para participarem do evento. Há também a presença da “madrinha” ou “padrinho” da bandeira. Os demais participantes são membros da comunidade de maneira geral e convidados.

Comidas e Bebidas
            Comidas típicas dos festejos juninos de maneira geral: canjica, pamonha, milho cozido, bolo de milho verde, amendoim e pipoca.
            Uma bebida é preparada especificamente para esta festa e era preparada originalmente pelos participantes do “Acorda Povo”, o “Quentão”, bebida preparada com vinho, cachaça, ervas de cheiro e gengibre. Devido às temperaturas mais baixas no mês de junho, a bebida é servida quente. A presença desta bebida típica dos estados do Sul do país se deve a preparação da bebida por uma das idealizadoras da manifestação nos períodos iniciais da criação do “Acorda povo” da Várzea. 
Expressões Corporais
            Devido o “afastamento” da celebração em relação a igreja católica, é encenado na procissão um batismo, e como não há participação do padre, um membro participante da procissão assume o papel do padre para encenar um batismo e uma purificação com água de cheiro. Além dessa encenação também há uma louvação a São João Batista.
Expressões Orais
            Existem as músicas que são específicas da procissão. Uma delas é a música principal: “Acorda povo, que o galo cantou, foi São João que anunciou!”.
            Além da música do “Acorda Povo”, há inicialmente as louvações a São João e a Xangô que são cantadas. No momento da encenação do batismo também há uma canção específica para o batismo. No momento inicial, durante a bênção do Padre há outro canto religioso específico.
            O roteio musical passa por alterações todos os anos, contudo, alguns ritos tradicionais sempre são preservados no evento. São eles:

Louvação
Meu São João
Meu São João
Hoje será tua festa
Saudamos tua Brincadeira
São João mandou
São João mandou
Cantar, dançar noite inteira
Para louvar a fogueira

Batismo
O anjo do Senhor
Anunciou Jesus
Quem batizou Jesus
 Foi São João
O anjo do Senhor
Anunciou Jesus
Quem batizou Jesus
 Foi São João
Jesus morreu na Cruz
Pelos nossos pecados
Por isso que nós hoje
Somos Perdoados

Louvação ao Orixá da Justiça
Meu pai São João Batista é Xangô
Dono do meu destino até o fim
Se eu deixar de confiar em ti
Oh meu senhor!
Derruba uma pedreira sobre mim.

Acorda Povo
Acorda povo que o galo cantou
Foi São João que anunciou
Que bandeira é essa que vamos levar
É de São João pra festejar
Acorda povo que o galo cantou
Foi São João que anunciou
Se São João soubesse quando era o seu dia
Descia do céu com prazer e alegria
São João foi tomar banho
Com vinte e cinco donzelas
As donzelas caíram na água
São João caiu com elas
Acorda povo que o galo cantou
Foi São João que anunciou
Ô meu São João vou me banhar
E as minhas mazelas no rio deixei


No final das encenações e no ponto final da procissão, são incorporadas músicas juninas ao repertório musical.
Os instrumentos usados no festejo são: Sanfona, acordeom, atabaque, Zabumba e Ganzá.

Objetos importantes
            O principal objeto usado é o andor com a imagem de São João que é levado entre os fiéis durante o cortejo. A bandeira com a imagem de São João do Carneirinho segue como um estandarte da procissão. A frente e na abertura da procissão há uma estrela seguida de luminárias que representam o fogo usados para anunciar o nascimento do messias na religião católica. Além da bandeira de São João do Carneirinho, outras 4 bandeiras são levadas com a imagens dos demais santos dos festejos juninos, além de São João, Santo Antônio, São Pedro e São Paulo. 

  Bandeira de São João da Várzea; São João do Carneirinho; andor e estrela.
                          Andor com a imagem de São João

Outras Referências Culturais Relacionadas
            Na procissão também são unidos e apresentados um Coco de Roda e uma Ciranda, ambos grupos do mesmo bairro.
            Há também uma forte relação com a praça central do bairro, quando possível também é feita uma louvação na praça. Também há uma ligação com a Igreja do Rosário que também é um dos marcos do bairro, vários de seus membros também são participantes do Acorda Povo.
Avaliação
            Primeiramente podemos destacar a identidade da comunidade varzeana. A procissão da Bandeira de São João e o Acorda povo são manifestações culturais que atestam como aquela comunidade vem se relacionando com as diferentes culturas e tradições religiosas presentes no bairro. Atesta também a harmonia que há entre diferentes culturas, este é um traço de grade apreço e relevância do bairro.    
   A identidade desta comunidade também está na sua cultura. Podemos entender esta como tudo aquilo que ela constrói coletivamente e que guarda os traços de sua memória e que também representam pontos de identidade como a herança cultural do bairro. Inclui os mitos, símbolos, ritos, todas as crenças, todo o conjunto de conhecimentos e todo o comportamento. Portanto, conhecer e valorizar a própria cultura é uma maneira da comunidade e de seus moradores individualmente e coletivamente de se afirmar como portadores destes traços culturais específicos que caracterizam a comunidade do Bairro.
A procissão também representa a vontade da própria população em preservar a sua cultura. Desde a sua criação essa preocupação ficou evidente na postura dos seus idealizadores em ter demonstrado todo o cuidado necessário para que a procissão fosse preservada sem que acontecesse uma descaracterização, uma característica relevante deste evento.
Recomendações
            Os organizadores do evento não contam com nenhum tipo de ajuda de órgãos governamentais responsáveis pelos eventos culturais. O custeio da celebração pode se tornar um problema, pois depende da condição financeira de seus membros. É recomendável que haja um mínimo de auxílio financeiro para o custeio da festa de maneira perene, e não ocasionalmente como acontece em relação ao apoio da prefeitura da cidade.
            A divulgação do evento também é algo que pode fazer diferença para o futuro desta celebração. A intensão do evento é fazer com que se crie também um momento de confraternização entre fiéis e entre moradores, uma maior aproximação entre uma maior parcela de pessoas poderia ser alcançada com uma melhor divulgação do evento, pois os organizadores e membros não possuem meios para que isso seja feito da melhor maneira. É necessário também que haja um meio de levar essa tradição para os membros mais jovens da comunidade, pois estes poderiam dar continuidade no trabalho que começou na década de 1990 pelos seus idealizadores. Para além da preservação deste patrimônio, é de suma importância que os jovens do bairro tomem conhecimento e se apropriem também das manifestações culturais do bairro. Uma ação no âmbito da educação patrimonial poderia ser algo de grande relevância.
            Contudo, apesar das oportunidades de melhorar as condições da celebração, é imprescindível que haja um devido respeito aos limites impostos pelos próprios participantes, é necessário que se mantenha a autonomia deste grupo que vem mantendo com os seus próprios esforços esta tradição por anos. 
          Bandeira de São João da Várzea sendo levada por Maria José, uma de suas organizadoras.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Educandário Magalhães Bastos (antigo Asilo da Infância Desvalida de Ambos os Sexos)

Vista frontal do Educandário Magalhães Bastos.

Nome
           Da sua fundação em 1904 até o começo da década de 1960, foi nomeado de “Azylo da Infância Desvalida de ambos os sexos”. A partir do começo da década de 1960 até os dias atuais, foi nomeado de “Educandário Magalhães Bastos”.

O que é?
           O Magalhães Bastos é um educandário que tem uma escola da rede municipal de ensino integrada às suas instalações, e que atende crianças carentes da comunidade em que está inserida. O prédio começou a ser construído em 1897 e foi inaugurado em 1904 como um internato para crianças órfãs. A instituição pertence à Santa Casa de Misericórdia do Recife, sendo gerida pela própria Santa Casa e também pela irmandade “Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo”. O Educandário funciona de segunda a sexta, das 7 às 17 horas, oferecendo serviços socioeducativos complementares à escola, como forma de ocupar integralmente o tempo das crianças com faixa etária dos 07 (sete) aos 12 (doze) anos.

Localização
           O Educandário Magalhães Bastos está localizado na rua Francisco Lacerda, sem número, no bairro da Várzea, município de Recife, Pernambuco, CEP 50741-150. A rua do Educandário é transversal à rua Amaro Gomes Poroca, que tem na sua extremidade leste a parte de trás da Universidade Federal de Pernambuco, e na sua extremidade oeste as Praças da Várzea e Pinto Dâmaso. A localidade em que está inserido o Educandário é totalmente urbanizada, sendo rodeada por algumas comunidades pobres. Na outra extremidade da rua Francisco Lacerda estão localizadas a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário e a Igreja de Nossa Senhora do Livramento, que ficam ao redor da Praça do Rosário.


Justificativa

           Constatou-se ao longo da pesquisa que o Educandário Magalhães Bastos deve ser considerado patrimônio não apenas pela sua arquitetura diferenciada (contrastante com as demais construções ao redor de todo o bairro da Várzea), mas também pelos serviços que presta à população da comunidade em que está inserida, desde a época de sua fundação. O edifício tem tanto valor arquitetônico quanto social e religioso para os funcionários da instituição e moradores do bairro.

Vista frontal da capela do Educandário.
Interior da capela.

Períodos importantes
           O “Azylo da Infância Desvalida de ambos os sexos” começou a ser construído em 1897 por Napoleão Duarte, sendo que o asilo apenas começou a funcionar em 1904, ano de sua fundação. Desde sua fundação até o início da década de 1960, funcionou como um internato para crianças órfãs ou carentes que vinham de cidades próximas. A partir do começo da década de 1960 até os dias atuais, a instituição mudou de formato e acabou com o internato, passando a funcionar como uma instituição de assistência social que desenvolve atividades socioeducativas para crianças carentes da comunidade em que o prédio está inserido. Foi a partir de então que a instituição deixou de ser chamada de “asilo” para se chamar “Educandário Magalhães Bastos”. A única data especial no calendário do Educandário é o 11 (onze) de Novembro, que foi instituído como um dia de atividades especiais em homenagem ao fundador da instituição, o comerciante e comendador Antônio José de Magalhães Bastos. Todos os anos, nesse dia, é celebrada a memória do patrono da instituição, inclusive com atividades para as crianças que envolvem testes de conhecimento a respeito da história de vida desse personagem.

Histórico do Lugar
         O prédio onde hoje funciona o Educandário Magalhães Bastos começou a ser construído em 1897, com projeto do engenheiro Napoleão Duarte. Teve originariamente o nome de “Asylo da Infância Desvalida de ambos os sexos”. Tendo sido encomendado pelo rico comerciante português Antônio José de Magalhães Bastos, que em seu testamento expressa que a finalidade do prédio deveria ser atender a comunidade carente do bairro da Várzea e de outras localidades, em específico no tocante do serviço ao infante de ambos os sexos, em condição de orfandade e carência.
Magalhães Bastos veio a falecer antes do término das obras. Estando ele sem herdeiros, pois havia perdido seus dois filhos e sua filha, passou a propriedade do prédio e muitos de seus bens para a Santa Casa de Misericórdia do Recife. Além disso, também deixou para a Santa Casa suas ações na Fábrica de Beberibe e seus imóveis espalhados pelo Recife.
Em 1904, ano de sua fundação, o prédio foi intitulado de “Azylo da Infância Desvalida de ambos os sexos” pela Santa Casa, que homenageia seu fundador através de uma placa presente na entrada do prédio. Os trabalhos realizados no prédio nesse período foram basicamente de internato. Nele, as crianças recebiam instrução educacional e profissional e, seguindo o desejo de Magalhães Bastos, as mais proeminentes eram empregadas pela Santa Casa.

A partir do começo da década de 1960 até os dias atuais, a instituição mudou de formato e acabou com o internato, passando a funcionar como uma instituição de assistência social que desenvolve atividades socioeducativas para crianças carentes da comunidade em que o prédio está inserido. Foi a partir de então que a instituição deixou de ser chamada de “asilo” para se chamar “Educandário Magalhães Bastos”. Visto que o caráter de orfanato estava em mudança, agora o prédio seria usado de fato como Educandário e as crianças atendidas passariam apenas 8 horas nos trabalhos da instituição, sendo posteriormente devolvidas a um familiar ou responsável. Essa é a dinâmica do Educandário até hoje.

Significados
Atualmente, o Educandário permite às famílias do bairro dispor de uma instituição que oferece tanto Educação formal para as crianças (no caso da Escola da rede municipal existente no prédio) quanto um centro de desenvolvimento de atividades socioeducativas, tais como oficinas de serigrafia, música, pintura (desenho), entre outras. Dessa forma, representa para essas famílias a possibilidade de deixar suas crianças durante o dia (enquanto trabalham) desenvolvendo atividades nos dois ambientes, onde podem buscar uma formação que vai além da formação escolar tradicional.
Além disso, também é um centro de desenvolvimento de atividades religiosas, já que a instituição pertence à Santa Casa de Misericórdia do Recife e é gerida por essa e pela irmandade das “Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo”, entidades instituídas e baseadas na religião católica apostólica romana. Portanto, o Educandário representa para as famílias da comunidade uma oportunidade de acompanhamento escolar e religioso para suas crianças. Isso se reflete nas próprias atividades cotidianas do Educandário, já que essas são sempre acompanhadas de outras atividades de natureza religiosa (tais como assistir missas na capela, fazer orações e rezas regulares ao longo do dia, entre outras).
É perceptível o sentimento de gratidão de uma parte de ex-alunos da instituição, que desenvolveram fortes laços de afetividade com o Educandário durante o seu tempo de estudos. Muitos deles hoje são professores da própria instituição, enquanto outros seguem suas atividades acadêmicas em cursos superiores e atividades de pós-graduação, sendo sempre lembrados com muito orgulho pelos funcionários da escola. Ainda da parte desses, a entrevista com a gestora revelou um senso de responsabilidade (enquanto instituição educacional e de assistência social) em ajudar as crianças que frequentam o educandário, muitas delas vivendo em condições de vulnerabilidade social e dentro de famílias desestruturadas.

Pessoas envolvidas
          O prédio foi construído em 1897 por Napoleão Duarte e encomendado por José Magalhães Bastos, mas por ocasião de sua morte, hoje o prédio está sob a direção da Santa Casa de Misericórdia. Atualmente no local funciona um Educandário, mantido pelo mesmo órgão supracitado, estando sob a gestão da Irmã Helena, madre e mantenedora do edifício. O usufruto do local se dá principalmente pelos seus 500 alunos e esporadicamente de seus familiares e ex-alunos, nas dependências do edifício foi cedida pela Santa Casa um espaço que funciona como uma escola da rede municipal do Recife.
 O prédio conta também com um contingente de profissionais contratados pela Santa Casa, que vão desde professores a zeladoras e vigilantes, uma recepcionista e uma equipe administrativa. No Educandário também trabalham uma nutricionista e uma psicóloga, além de uma assistente social, esses profissionais juntamente com o corpo docente de professores de reforço escolar, música, marcenaria e outros formam, basicamente o conjunto de pessoas envolvidas no lugar.

Pátio do Educandário.

Atividades que acontecem no lugar
O prédio, desde sua fundação tem como objetivo atividades educativas e sociais, que são marcas no retrato do local. As celebrações de missas e outras atividades religiosas são reservadas aos alunos e familiares, festas e eventos do bairro não são sediados na escola. Contudo as atividades da Santa Casa são bem presentes e realizadas lá, o Educandário em particular se reserva o direito de comemorar em especial o “Dia do Fundador” que reúne alunos ex-alunos e familiares.
As atividades educativas realizadas no prédio não são de todo escolares, visto que se trata de um Educandário, mas ainda assim guardam semelhanças, nas dependências do complexo são realizadas aulas de música, artes, marcenaria, serigrafia, informática, reforço escolar e outras atividades pedagógicas e de lazer.

Avaliação
O Educandário Magalhães Bastos é um ponto de referência no bairro da Várzea, não só por apresentar um histórico de suma importância e um caráter formador da identidade local do bairro, com seus aspectos arquitetônicos e históricos que fazem dele um marco singular na face do bairro. A importância do Educandário para o bairro se exprime para muito além dos aspectos físicos da edificação, mas se demonstra no trabalho social centenário realizado ali, sempre visando manter o espírito de auxílio ao carente. A face formadora e educadora do Educandário, mostra-se em sua história no bairro através da formação de nomes relevantes no bairro e mais ainda pelo fato de que muitos de seus moradores passaram por seus corredores.
Apesar de não ser um espaço diretamente aberto a toda a população do bairro, o educandário fornece serviços que abrangem-no em sua totalidade, por essa razão o apreço e o cuidado para com o patrimônio em questão é mostrado tanto pelos que trabalham quanto pelos os que usufruem de seus serviços. Mais ainda o cuidado em preservar o prédio e a instituição que ele abriga vem sendo uma marca da população circunvizinha à edificação. A preocupação no entanto, é de preservar esse sentimento entre as gerações, para que o significado não deixe de ser cultivado e assim deixando, torne-se o edifício nada mais do que um fragmento de seu propósito original.

Recomendações
Por fim, através das observações de campo, foi possível chegar a apenas uma conclusão acerca de recomendações para melhorar a preservação do prédio: que as famílias das crianças sejam atraídas de alguma forma a participar mais da realidade das atividades da escola. As reuniões pedagógicas são frequentas por poucos familiares ou responsáveis e, além disso, apenas se tomou conhecimento de um canal de interação entre familiares e a comunidade escolar: as comemorações do dia 11 (onze) de Novembro, em homenagem a Antônio José de Magalhães Bastos.
Contanto que os familiares se sintam também parte da comunidade escolar, poderão também participar mais efetivamente dos processos que resultam em uma preservação mais efetiva dos estabelecimentos do Educandário. Assim, a Santa Casa (junto com a gestão do Educandário e da Escola municipal) poderia pensar em mecanismos de participação dos familiares das crianças nos processos de tomada de decisão da realidade escolar. Assim, sentindo-se parte de fato da comunidade escolar, como bem defendem os princípios da Gestão Democrática (presentes na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996), é que as atividades escolares e a relação da instituição com os familiares podem ser melhor aproveitadas, visando o bem comum (das crianças, principalmente).

terça-feira, 21 de junho de 2016

Santiago Matos


Santiago Matos é natural do estado da Bahia, mas veio para Recife para cursar o Mestrado e reside no bairro da Várzea. Faz parte do setor de comunicação do Movimento Salve o Casarão, estando neste desde seu início. O Movimento realiza atividades no pátio externo do chalé para aproximar a população ao lugar e cobra do município a preservação e revitalização do imóvel, bem como a construção de um mercado público em seu pátio, para remoção das barracas que atualmente estão ocupando suas calçadas.

Marcelo (Pato)

Marcelo, mais conhecido como Marcelo Pato, é um músico do Maracatu Real Várzea do Capibaribe, nasceu e mora até hoje na Várzea, tendo profunda identificação com o bairro. Frequentou o posto de saúde (à partir dos 12 anos de idade) que funcionava no pátio externo do chalé. Além disso, frequentou o lugar em diversas outras ocasiões, por manter amizade com o caseiro que cuidava do imóvel. Atualmente participa dos mutirões realizados no lugar, através do movimento “Salve o Casarão da Várzea”.

O Casarão da Várzea (Antigo Hospital Odontológico Magitot)



O que é

Localizado na rua Azeredo Coutinho, nº 130, bairro da VárzeaO "Casarão da Várzea" é um chalé de dois pavimentos que abrigou o antigo Hospital Magitot.

História

O "Casarão da Várzea", também conhecido como "Hospital Magitot", foi inaugurado em 27 de maio de 1905,sendo utilizado como moradia até a década de 50, quando se tornou um hospital odontológico, o terceiro endereço do Hospital Magitot (anteriormente sediado nos bairros de Casa Forte e Madalena).

Com o fechamento do hospital na década de 60, passou a funcionar um pequeno posto de saúde nos “fundos”do casarão até o fim da década de 80, sendo cuidado a partir daí por um caseiro, que permitia a entrada de moradores do local para realização de atividades como a limpeza do terreno, ensino de capoeira, missas (em uma capela improvisada na área externa), entre outros. Isso ocorreu até o chalé ser atingido por um incêndio, em 1992, que destruiu o piso dos dois pavimentos (de madeira). Neste período, houve uma iniciativa de inclusão do chalé como Imóvel Especial de Preservação (IEP), mas a proposta não obteve êxito. Enquanto isso, uma família passou a residir no ambiente anexo ao casarão, que não havia sido atingido pelo incêndio, até serem expulsos pela prefeitura em 2013, quando o chalé foi finalmente classificado como Imóvel Especial de Perservação (IEP). Atualmente o movimento "Salve o Casarão da Várzea" cobra da Prefeitura do Recife a recuperação do chalé, bem como a construção de um mercado popular em seu pátio externo.

Significados

O chalé é o único do Recife no estilo romântico com influência inglesa de dois pavimentos. Como muitos dos moradores mais antigos foram atendidos no local, há uma ligação “sentimental” com o casarão, que se encontra abandonado e parcialmente destruído (após um incêndio), degradando-se com a ação do tempo.

Atividades

Hoje abandonado e degradado, as atividades têm sido realizadas em seu pátio externo, aos sábados, organizadas pelos membros do movimento “Salve o Casarão da Várzea” e moradores do bairro, como plantio, organização e colheita na horta comunitária, apresentações musicais e artísticas, organização de uma rádio comunitária, oficina de muralismo, feijoada comunitária, entre outros.

Responsáveis

 A prefeitura do Recife é a atual proprietária do terreno, embora não esteja realizando qualquer atividade de manutenção do local. Por outro lado, os moradores, através do movimento Salve o casarão, têm realizado a manutenção possível do pátio externo, bem como usufruído das já mencionadas atividades realizadas aos sábados.

Recomendações para preservação

Para a preservação do lugar, é de fundamental importância que seja realizada o quanto antes uma reforma no casarão, que encontra-se cada vez mais destruído pela ação do tempo. A prefeitura prometeu em 2013 a reforma do chalé (estando ainda por decidir qual seria a utilização do casarão após a reforma) e a construção de um mercado no pátio externo, para abrigar os barraqueiros que atualmente se encontram nas calçadas do imóvel, impossibilitando os pedestres de transitarem nas mesmas. Ouvindo a opinião de moradores, é bastante visível que eles desejam a construção do mercado no pátio externo e a utilização do chalé (após reformado) de algo que tenha uma utilidade para eles, sendo quase consenso a ideia de um espaço cultural, para que eles possam participar (como realizadores ou expectadores) de atividades como apresentações e mostras. Avaliando toda a situação, de fato, a utilização do casarão como um espaço cultural, bem como um mercado ao seu redor, aumentaria o contato e identificação da comunidade com o imóvel, que já foi classificado como Imóvel Especial de Preservação pelo Município, mas nada foi feito pela prefeitura para a sua preservação.

ABISSAL





José Lúcio Bezerra Júnior, mais conhecido como Abissal, é um cantor de ritmos populares, especialmente de maracatu, e também Engenheiro de Pesca pela UFRPE, com mestrado e doutorado em Oceanografia, pós-doutorando em Ciências de Materiais. Recifense, passou a infância no município de Itambé, interior do estado de Pernambuco, entretanto, mora no bairro da Várzea há 35 anos.
Sua confessional paixão pelo bairro da Várzea começou aos 14 anos, quando se mudou para este local e iniciou seu Ensino Médio no Colégio de Aplicação da UFPE. Ao longo da vida, buscou aprender um pouco mais sobre o local onde vivia, e nos arquivos da Arquidiocese de Olinda e Recife, percebeu registros da Várzea que datam de 1645, quando era considerada uma “freguesia” do Recife, o primeiro bairro de subúrbio desta cidade, a chamada Várzea do Capibaribe, região que já foi considerada a melhor produtora de cana-de-açúcar da colônia.
Entrou em contato com a cultura do maracatu quando participava do Coral da Universidade Rural de Pernambuco, onde teve a oportunidade de assistir à uma peça denominada Preto Cambinda. Participou de grupos como o Maracatu Nação Pernambuco e o Caboclos Envenenados.
Nós o entrevistamos no dia 07/6/2016, no Laboratório de História Oral e da Imagem (LAHOI-UFPE), e disponibilizamos o vídeo no link abaixo:

Maracatu Real da Várzea

Neste trabalho, intencionamos apontar uma marcante forma de expressão do Bairro da Várzea: o seu grupo de percussão de maracatu, fundado Maracatu Várzea do Capibaribe. Não se trata de imobilizar o produto, mas de preservar, de registrar o processo, o fazer, a técnica. 

Identificação do Patrimônio
   Nome:
Fundado Maracatu Várzea do Capibaribe, o grupo passa por disputas judiciais em torno de seu nome, devido a uma dissidência interna. O poder judiciário analisa pedidos de patente em relação a tal denominação. Enquanto a decisão não é homologada, o grupo se denomina Maracatu Real da Várzea, ou Maracatu Real Várzea do Capibaribe.
          
   O que é:
O Maracatu Real Várzea do Capibaribe é um grupo de percussão de Maracatu de Baque Virado, localizado no bairro da Várzea, no município do Recife. O grupo não tem a intenção de se efetivar enquanto “nação” de maracatu, pois alegam que a composição da equipe é muito plural e diversificada, portanto, não pretendem sem comprometer ou obter ligação com nenhum terreiro em específico, mesmo que alguns do grupo sejam integrantes das religiões afrobrasileiras.
   Onde está:
Os ensaios do grupo de Maracatu ocorrem na Praça da Várzea, o local mais explorado e vivenciado do bairro. Tal praça conta com atividades desde as horas iniciais do dia adentrando até a madrugada. É dotada de quadra poliesportiva, onde treinam times organizados e também os chamados “peladeiros”, Academia da Cidade, Academia do Recife, Pista de Cooper, utilizada também para patins, bicicletas e afins, Parque com escorregos e balanços, e um coreto utilizado pelos grupos políticos e culturais da comunidade. 

    Períodos importantes:
- Festa de Aniversário: Todo ano, no mês de dezembro, em datas variáveis, mas em geral em um feriado, o Maracatu Real Várzea do Capibaribe promove sua festa de aniversário, na Praça da Várzea. Na última ocasião, o evento contou com dois palcos para apresentações culturais do próprio grupo e de convidados, além de uma tenda eletrônica. A comunidade participa em peso desse evento. Para o ano de 2016, a equipe planeja uma “Rave ou Virada Cultural”, um evento que dure o final de semana inteiro (de sexta a domingo).
- Festival de Inverno da Várzea (FIV): Entre agosto e setembro, a comunidade encampa do FIV, parafraseando o reconhecido Festival de Inverno de Garanhuns, o FIG. É de praxe a apresentação do Maracatu Real da Várzea neste evento.
- Carnaval: Desde que se assumiu na cidade o modelo de pólos descentralizados para o carnaval, a Várzea abriga um dos mais importantes. Em geral, a Praça recebe dois ou três palcos e a presença do toque do Maracatu Várzea do Capibaribe é garantida. Sem dúvidas, um dos períodos mais importantes do ano para o grupo.
- Ensaios: A preparação para todos os eventos anuais se dá através das oficinas e ensaios que ocorrem todo sábado, das 17h às 20h, na Praça da Várzea. Os ensaios são abertos à visitação e participação.
- Demais eventos: O Maracatu também participa de eventos fora do calendário oficial de festas, em geral quando são convidados a tocar em festas e encontros no Recife e em diversas cidades.

    História:
Abissal se aproximou do universo do maracatu quando era graduando em Engenharia de Pesca na UFRPE, e participante do Coral da Universidade. Um primo, que era integrante do famoso Maracatu Nação Pernambuco, lhe entregou uma fita VHS para que pudesse conhecer como funcionava um ensaio deste grupo. Ao contrário do que se pensa, não foi neste momento que despertou a paixão por esta cultura em Abissal, pois a filmagem e o áudio da fita eram de péssima qualidade, levando-o a crer que esta forma de expressão não tinha uma estética muito apurada: “achei um horror”, nas palavras do próprio. Pouco depois um amigo muito próximo o faz um convite tentador: participar como cantor na gravação do chamado “Primeiro LP de Maracatu do Mundo”, promovido por Bernardino José, também do Nação Pernambuco. Apesar de não ter tomado gosto por esta expressão, o cantor de coral Abissal viu aí uma ótima oportunidade para cantar solo e ao microfone pela primeira vez. Foi com este interesse que ele aceitou o convite, e daí não saiu mais deste mundo. Resolveu fundar seu próprio maracatu depois de enxergar certa mercantilização e centralização nas decisões que deveriam ser coletivas dentro do Nação Pernambuco, perdeu-se o sentimento de grupo quando atingiu-se a fama, segundo conta o nosso entrevistado.
Depois desta decisão, funda o grupo “A Cabra Alada” na intenção de conhecer mais a cultura popular, para além do maracatu. Deixou o grupo pelo mesmo motivo que saiu do Nação Pernambuco, e fundou junto com seu primo o “Caboclos Envenenados”, para cantar seu maracatu. Mas para Abissal, apresentar seu canto com o “Caboclos” não era suficiente. O ideal era criar realmente um grupo de percussão, no bairro da Várzea, para ensaiarem junto à comunidade e se apresentarem no Recife e em outras cidades. Em dezembro de 1998 nasce o Maracatu Várzea do Capibaribe, denominação inspirada em uma Igreja Batista homônima, e que desde o ano 2000 ensaia e se apresenta neste bairro.
Carregou em si o que considera o grande avanço do Nação Pernambuco: a certa leveza nas músicas e no vestuário. Segundo ele, o Maracatu que canta incessantemente loas de poucas estrofes, que focam o tempo inteiro na desgraça da escravidão, no peso do chicote nas costas do escravizado, está preso num passado que é importante se rememorar, mas não consegue acompanhar o mundo moderno. Em sua opinião, torna-se enfadonho assistir uma apresentação de um grupo dotado de apenas um ou dois toques, com loas muito curtas e com peso simbólico tão pesado.
O seu maracatu não esquece as origens, mantém instrumentos tradicionais, mas também incorpora novos. Canta loas tradicionais, mas também compõe novas. Mantém roupas clássicas, mas veste-se de forma mais leve. Utiliza-se de toques consagrados, mas o tempo todo busca criar novos.
O grupo começou seus ensaios na Escola de Artes João Pernambuco, mas a gestão da instituição começou a impor uma série de taxas e condições para que se mantivessem lá os ensaios.  A partir deste impasse, resolveram se mostrar de fato para a população, tocando na Praça da Várzea, o centro deste bairro. Começaram suas atividades com roupas emprestadas, de presente ganharam seus primeiros instrumentos de um maracatu da cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, após conferirem uma capacitação à tal agremiação.
Em 2012, este primo de Abissal resolve sair da associação, e carrega consigo a maioria dos instrumentos musicais e vestuário (que ficavam alocados em sua casa por que ele era o único do grupo que possuía um carro para transportar tais objetos). Além disso, se achou no direito de usar o nome “Maracatu Várzea do Capibaribe” em seu novo grupo. Entrou com pedido de registro de patente na justiça, e desde então Abissal tenta recorrer para manter a denominação em seu grupo de origem.
Na intenção de manter seu maracatu vivo, Abissal e seu grupo, de forma democrática, com discussões pormenorizadas, estão em processo de construção de um regimento interno e um estatuto, buscam também a oficialização de um CNPJ, a fim de criar uma estrutura burocrática e jurídica que dê sustentação à agremiação. Na medida do possível, este processo de reestruturação do Várzea tem como horizonte a obtenção de uma sede e de veículos próprios, já que atualmente todo o material da equipe fica armazenado dentro da Academia da Cidade, na Praça da Várzea, além de serem dependentes de terceiros para o deslocamento dos participantes.

    Significados:
Tocar maracatu não é simplesmente fazer música, é rememorar, é viver um passado que nos legou permanências das mais diversas. Ritmo tipicamente pernambucano, herança de uma história de escravização de diversos povos, o maracatu é até hoje uma das expressões culturais que nos representa melhor.
É nesse sentido que o Várzea do Capibaribe enxerga sua ação. O Maracatu é patrimônio, o Várzea é posse de seu bairro, portanto, aglutinar pessoas ao se redor, criar laços identitários, dar sentido à suas práticas são eixos fundamentais desta atuação. Ao promoverem oficinas abertas e gratuitas, conseguem aproximar à cultura popular pessoas de todos os gêneros, classes, idades e credos.
Descrição
     Etapas e Pessoas envolvidas:
Os ensaios iniciam-se às 17h com a oficina de percussão gratuita e aberta ao público, independentemente da idade. Após 90 minutos de oficina, inicia-se o ensaio da agremiação, com também 90 minutos de duração. Diferentemente dos Maracatus-Nação, que são envolvidos numa ritualística específica, no Várzea do Capibaribe esta característica não é marcante, já que se constituem como um grupo de percussão.         
Como os ensaios se dão nos fins de semana, a participação dos indivíduos nem sempre é constante, entretanto, em números gerais, o Maracatu Real da Várzea conta atualmente com 150 membros, na oficina e no grupo efetivo. 
 Como ressaltado anteriormente, estas pessoas em sua maioria são moradores do próprio bairro, mas há indivíduos que residem em bairros relativamente distantes e mesmo assim são figuras constantes nos ensaios e apresentações. Pessoas de todas as crenças, idades, classes se unem no Várzea.
Além de trabalhar na própria comunidade, o Maracatu vem empreendendo um trabalho social para além de seu território. Próximo ao carnaval, fazem oficinas de batuque na comunidade do Coque, no NEIMFA, e desde o mês de abril deste ano comparecem semanalmente à FUNASE, na intenção de ensinar à menores infratores a cultura do maracatu.
      
    Expressões orais:
O maracatu entoa as chamadas “loas”. Apesar de não serem um “maracatu de terreiro”, e serem um grupo formado por indivíduos de diversas crenças religiosas, entendem que esta a tradição em si é afrobrasileira, e sabendo disso dedicam parte de suas loas aos orixás, especialmente Oxum, como forma de respeito, não como ritualismo. Em geral essas músicas retratam a beleza do maracatu, da cultura popular, a resistência das populações afrodescendentes e a riqueza do nosso estado.
    Objetos importantes:
- Caixa de guerra, apito, tarol: comandam o ritmo do batuque
- Tambores: divididos em “marcante” (alfaias), “meião” e “viradores”
- Gonguê: instrumento formado por um sino
- Ganzá: espécie de chocalho
     Estrutura e recursos necessários:
O Maracatu sustenta suas atividades com dinheiro arrecadado em suas apresentações, os cachês, rifas, bazares e doações. Mas, segundo o Mestre Abissal, tais recursos não são suficientes para dar conta de todas as demandas que um grupo deste porte exige, portanto, como pós-doutorando, cede dinheiro da própria bolsa de pesquisa para sustentar e manter funcionando o Maracatu Real da Várzea. O grupo passou por uma série de dificuldades depois de uma dissidência interna e perdeu boa parte de seus instrumentos musicais e vestuário, e desde 2012 vem tentando se reerguer da forma que pode. Boa parte das alfaias do grupo foram doadas por uma empresária que é participante deste maracatu e resolveu fundar o seu próprio no município de Vitória de Santo Antão. Ela pediu que o Várzea do Capibaribe apadrinhasse seu novo grupo, e como forma de gratidão efetuou esta doação de instrumentos.
Já foi sugerido à Abissal que cobrasse uma quantia simbólica mensal para os participantes, a fim de eles próprios ajudarem no sustento da causa. A idéia foi rejeitada, porque para o maracatuzeiro, tal prática poderia afugentar pessoas com ligações sinceras, mas que não tivessem condições de contribuir monetariamente. Evitar a mercantilização do maracatu é a justificativa.  É importante anotar que o maracatu não dispõe de sede própria. Os instrumentos ficam alocados na Academia da Cidade, e o transporte deve ser garantido pelo contratante das apresentações.
    Avaliação e recomendações:
É com muito esforço e dedicação que Abissal e seu grupo vêm empreendendo a reconstrução do Maracatu Várzea do Capibaribe, ou Real da Várzea, diante da maior dificuldade na qual se depararam desde a sua fundação: a dissidência de seu primo e esposa, que levaram consigo quase todo o material (e até o nome) que a agremiação dispunha. Desde 2012 esta nova fase do Maracatu vem sendo baseada na tomada coletiva de decisões e na ajuda mútua para reerguer e reequipar o coletivo. Com uma juventude atuante e disposta, este Maracatu tão íntimo da Várzea tem tudo para continuar sendo por muito tempo uma importante referência cultural para seu bairro e para a cidade.
O maracatu é uma tradição que resiste ao longo dos séculos. Já foi condenada ao desaparecimento, mas sempre ganha um impulso para se reinventar, seja pela atuação de mediadores culturais na primeira metade do século XX, seja por movimentos musicais ecléticos como o MangueBeat em fins do século XX, o importante é se reinventar para permanecer atuante. É com essa concepção que Abissal traz recomendações para uma atuação mais persistente do maracatu: não esquecer as tradições, mas também não parar no tempo. “Modernizar o passado é uma evolução musical”, disse Chico Sciense e parafraseia José Lúcio Bezerra Júnior. Não é esquecer os velhos toques e loas, mas criar novos, não é esquecer o passado escravista, mas alargar o teor das composições, não é deixar de lado o vestuário tradicional, mas fazer roupas mais leves e confortáveis para os participantes, é cantar o maracatu em todo lugar, divulgar a cultura popular, não fechá-lo em si mesmo. Acompanhar as mudanças do tempo para continuar vivo.