Neste trabalho, intencionamos apontar uma marcante forma de expressão do Bairro da Várzea: o seu grupo de percussão de maracatu, fundado Maracatu Várzea do Capibaribe. Não se trata de imobilizar o produto, mas de
preservar, de registrar o processo, o fazer, a técnica.
Identificação do Patrimônio
Nome:
Fundado Maracatu Várzea do Capibaribe, o grupo passa
por disputas judiciais em torno de seu nome, devido a uma dissidência interna.
O poder judiciário analisa pedidos de patente em relação a tal denominação.
Enquanto a decisão não é homologada, o grupo se denomina Maracatu Real da
Várzea, ou Maracatu Real Várzea do Capibaribe.
O que é:
O Maracatu Real Várzea do Capibaribe é um grupo de
percussão de Maracatu de Baque Virado, localizado no bairro da Várzea, no
município do Recife. O grupo não tem a intenção de se efetivar enquanto “nação”
de maracatu, pois alegam que a composição da equipe é muito plural e
diversificada, portanto, não pretendem sem comprometer ou obter ligação com
nenhum terreiro em específico, mesmo que alguns do grupo sejam integrantes das
religiões afrobrasileiras.
Onde está:
Os ensaios do grupo de Maracatu ocorrem na Praça da
Várzea, o local mais explorado e vivenciado do bairro. Tal praça conta com
atividades desde as horas iniciais do dia adentrando até a madrugada. É dotada
de quadra poliesportiva, onde treinam times organizados e também os chamados “peladeiros”,
Academia da Cidade, Academia do Recife, Pista de Cooper, utilizada também para
patins, bicicletas e afins, Parque com escorregos e balanços, e um coreto
utilizado pelos grupos políticos e culturais da comunidade.
Períodos importantes:
- Festa de Aniversário: Todo ano, no mês de
dezembro, em datas variáveis, mas em geral em um feriado, o Maracatu Real Várzea
do Capibaribe promove sua festa de aniversário, na Praça da Várzea. Na última
ocasião, o evento contou com dois palcos para apresentações culturais do
próprio grupo e de convidados, além de uma tenda eletrônica. A comunidade
participa em peso desse evento. Para o ano de 2016, a equipe planeja uma “Rave
ou Virada Cultural”, um evento que dure o final de semana inteiro (de sexta a
domingo).
- Festival de Inverno da Várzea (FIV): Entre agosto
e setembro, a comunidade encampa do FIV, parafraseando o reconhecido Festival
de Inverno de Garanhuns, o FIG. É de praxe a apresentação do Maracatu Real da
Várzea neste evento.
- Carnaval: Desde que se assumiu na cidade o modelo
de pólos descentralizados para o carnaval, a Várzea abriga um dos mais
importantes. Em geral, a Praça recebe dois ou três palcos e a presença do toque
do Maracatu Várzea do Capibaribe é garantida. Sem dúvidas, um dos períodos mais
importantes do ano para o grupo.
- Ensaios: A preparação para todos os eventos anuais
se dá através das oficinas e ensaios que ocorrem todo sábado, das 17h às 20h,
na Praça da Várzea. Os ensaios são abertos à visitação e participação.
- Demais eventos: O Maracatu também participa de
eventos fora do calendário oficial de festas, em geral quando são convidados a
tocar em festas e encontros no Recife e em diversas cidades.
História:
Abissal se aproximou do universo do maracatu quando
era graduando em Engenharia de Pesca na UFRPE, e participante do Coral da
Universidade. Um primo, que era integrante do famoso Maracatu Nação Pernambuco,
lhe entregou uma fita VHS para que pudesse conhecer como funcionava um ensaio
deste grupo. Ao contrário do que se pensa, não foi neste momento que despertou
a paixão por esta cultura em Abissal, pois a filmagem e o áudio da fita eram de
péssima qualidade, levando-o a crer que esta forma de expressão não tinha uma
estética muito apurada: “achei um horror”, nas palavras do próprio. Pouco
depois um amigo muito próximo o faz um convite tentador: participar como cantor
na gravação do chamado “Primeiro LP de Maracatu do Mundo”, promovido por
Bernardino José, também do Nação Pernambuco. Apesar de não ter tomado gosto por
esta expressão, o cantor de coral Abissal viu aí uma ótima oportunidade para
cantar solo e ao microfone pela primeira vez. Foi com este interesse que ele
aceitou o convite, e daí não saiu mais deste mundo. Resolveu fundar seu próprio
maracatu depois de enxergar certa mercantilização e centralização nas decisões
que deveriam ser coletivas dentro do Nação Pernambuco, perdeu-se o sentimento
de grupo quando atingiu-se a fama, segundo conta o nosso entrevistado.
Depois desta decisão, funda o grupo “A Cabra Alada”
na intenção de conhecer mais a cultura popular, para além do maracatu. Deixou o
grupo pelo mesmo motivo que saiu do Nação Pernambuco, e fundou junto com seu
primo o “Caboclos Envenenados”, para cantar seu maracatu. Mas para Abissal,
apresentar seu canto com o “Caboclos” não era suficiente. O ideal era criar
realmente um grupo de percussão, no bairro da Várzea, para ensaiarem junto à
comunidade e se apresentarem no Recife e em outras cidades. Em dezembro de 1998
nasce o Maracatu Várzea do Capibaribe, denominação inspirada em uma Igreja
Batista homônima, e que desde o ano 2000 ensaia e se apresenta neste bairro.
Carregou em si o que considera o grande avanço do
Nação Pernambuco: a certa leveza nas músicas e no vestuário. Segundo ele, o
Maracatu que canta incessantemente loas de poucas estrofes, que focam o tempo
inteiro na desgraça da escravidão, no peso do chicote nas costas do
escravizado, está preso num passado que é importante se rememorar, mas não
consegue acompanhar o mundo moderno. Em sua opinião, torna-se enfadonho
assistir uma apresentação de um grupo dotado de apenas um ou dois toques, com
loas muito curtas e com peso simbólico tão pesado.
O seu maracatu não esquece as origens, mantém
instrumentos tradicionais, mas também incorpora novos. Canta loas tradicionais,
mas também compõe novas. Mantém roupas clássicas, mas veste-se de forma mais
leve. Utiliza-se de toques consagrados, mas o tempo todo busca criar novos.
O grupo começou seus ensaios na Escola de Artes João Pernambuco, mas a gestão da instituição começou a impor uma série de taxas e condições para que se mantivessem lá os ensaios. A partir deste impasse, resolveram se mostrar de fato para a população, tocando na Praça da Várzea, o centro deste bairro. Começaram suas atividades com roupas emprestadas, de presente ganharam seus primeiros instrumentos de um maracatu da cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, após conferirem uma capacitação à tal agremiação.
O grupo começou seus ensaios na Escola de Artes João Pernambuco, mas a gestão da instituição começou a impor uma série de taxas e condições para que se mantivessem lá os ensaios. A partir deste impasse, resolveram se mostrar de fato para a população, tocando na Praça da Várzea, o centro deste bairro. Começaram suas atividades com roupas emprestadas, de presente ganharam seus primeiros instrumentos de um maracatu da cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, após conferirem uma capacitação à tal agremiação.
Em 2012, este primo de Abissal resolve sair da
associação, e carrega consigo a maioria dos instrumentos musicais e vestuário
(que ficavam alocados em sua casa por que ele era o único do grupo que possuía
um carro para transportar tais objetos). Além disso, se achou no direito de
usar o nome “Maracatu Várzea do Capibaribe” em seu novo grupo. Entrou com
pedido de registro de patente na justiça, e desde então Abissal tenta recorrer
para manter a denominação em seu grupo de origem.
Na intenção de manter seu maracatu vivo, Abissal e
seu grupo, de forma democrática, com discussões pormenorizadas, estão em
processo de construção de um regimento interno e um estatuto, buscam também a
oficialização de um CNPJ, a fim de criar uma estrutura burocrática e jurídica
que dê sustentação à agremiação. Na medida do possível, este processo de
reestruturação do Várzea tem como horizonte a obtenção de uma sede e de
veículos próprios, já que atualmente todo o material da equipe fica armazenado
dentro da Academia da Cidade, na Praça da Várzea, além de serem dependentes de
terceiros para o deslocamento dos participantes.
Significados:
Tocar maracatu não é simplesmente fazer música, é
rememorar, é viver um passado que nos legou permanências das mais diversas.
Ritmo tipicamente pernambucano, herança de uma história de escravização de
diversos povos, o maracatu é até hoje uma das expressões culturais que nos
representa melhor.
É nesse sentido que o Várzea do Capibaribe enxerga
sua ação. O Maracatu é patrimônio, o Várzea é posse de seu bairro, portanto,
aglutinar pessoas ao se redor, criar laços identitários, dar sentido à suas
práticas são eixos fundamentais desta atuação. Ao promoverem oficinas abertas e
gratuitas, conseguem aproximar à cultura popular pessoas de todos os gêneros,
classes, idades e credos.
Descrição
Etapas e Pessoas envolvidas:
Os ensaios iniciam-se às 17h com a oficina
de percussão gratuita e aberta ao público, independentemente da idade. Após 90
minutos de oficina, inicia-se o ensaio da agremiação, com também 90 minutos de
duração. Diferentemente dos Maracatus-Nação, que são envolvidos numa
ritualística específica, no Várzea do Capibaribe esta característica não é
marcante, já que se constituem como um grupo de percussão.
Como os ensaios se dão nos fins de semana, a
participação dos indivíduos nem sempre é constante, entretanto, em números
gerais, o Maracatu Real da Várzea conta atualmente com 150 membros, na oficina
e no grupo efetivo.
Como
ressaltado anteriormente, estas pessoas em sua maioria são moradores do próprio
bairro, mas há indivíduos que residem em bairros relativamente distantes e
mesmo assim são figuras constantes nos ensaios e apresentações. Pessoas de
todas as crenças, idades, classes se unem no Várzea.
Além de trabalhar na própria comunidade, o Maracatu
vem empreendendo um trabalho social para além de seu território. Próximo ao
carnaval, fazem oficinas de batuque na comunidade do Coque, no NEIMFA, e desde
o mês de abril deste ano comparecem semanalmente à FUNASE, na intenção de
ensinar à menores infratores a cultura do maracatu.
Expressões orais:
O maracatu entoa as chamadas “loas”. Apesar de não
serem um “maracatu de terreiro”, e serem um grupo formado por indivíduos de
diversas crenças religiosas, entendem que esta a tradição em si é
afrobrasileira, e sabendo disso dedicam parte de suas loas aos orixás,
especialmente Oxum, como forma de respeito, não como ritualismo. Em geral essas
músicas retratam a beleza do maracatu, da cultura popular, a resistência das
populações afrodescendentes e a riqueza do nosso estado.
Objetos importantes:
- Caixa de guerra, apito, tarol: comandam o ritmo do
batuque
- Tambores: divididos em “marcante” (alfaias),
“meião” e “viradores”
- Gonguê: instrumento formado por um sino
- Ganzá: espécie de chocalho
Estrutura e recursos
necessários:
O Maracatu sustenta suas atividades com dinheiro
arrecadado em suas apresentações, os cachês, rifas, bazares e doações. Mas,
segundo o Mestre Abissal, tais recursos não são suficientes para dar conta de
todas as demandas que um grupo deste porte exige, portanto, como
pós-doutorando, cede dinheiro da própria bolsa de pesquisa para sustentar e
manter funcionando o Maracatu Real da Várzea. O grupo passou por uma série de
dificuldades depois de uma dissidência interna e perdeu boa parte de seus
instrumentos musicais e vestuário, e desde 2012 vem tentando se reerguer da
forma que pode. Boa parte das alfaias do grupo foram doadas por uma empresária
que é participante deste maracatu e resolveu fundar o seu próprio no município
de Vitória de Santo Antão. Ela pediu que o Várzea do Capibaribe apadrinhasse
seu novo grupo, e como forma de gratidão efetuou esta doação de instrumentos.
Já foi sugerido à Abissal que cobrasse uma quantia
simbólica mensal para os participantes, a fim de eles próprios ajudarem no
sustento da causa. A idéia foi rejeitada, porque para o maracatuzeiro, tal
prática poderia afugentar pessoas com ligações sinceras, mas que não tivessem
condições de contribuir monetariamente. Evitar a mercantilização do maracatu é
a justificativa. É importante anotar que
o maracatu não dispõe de sede própria. Os instrumentos ficam
alocados na Academia da Cidade, e o transporte deve ser garantido pelo
contratante das apresentações.
Avaliação e recomendações:
É com muito esforço e dedicação que Abissal e seu
grupo vêm empreendendo a reconstrução do Maracatu Várzea do Capibaribe, ou Real
da Várzea, diante da maior dificuldade na qual se depararam desde a sua
fundação: a dissidência de seu primo e esposa, que levaram consigo quase todo o
material (e até o nome) que a agremiação dispunha. Desde 2012 esta nova fase do
Maracatu vem sendo baseada na tomada coletiva de decisões e na ajuda mútua para
reerguer e reequipar o coletivo. Com uma juventude atuante e disposta, este
Maracatu tão íntimo da Várzea tem tudo para continuar sendo por muito tempo uma
importante referência cultural para seu bairro e para a cidade.
O maracatu é uma tradição que resiste ao longo dos
séculos. Já foi condenada ao desaparecimento, mas sempre ganha um impulso para
se reinventar, seja pela atuação de mediadores culturais na primeira metade do
século XX, seja por movimentos musicais ecléticos como o MangueBeat em fins do
século XX, o importante é se reinventar para permanecer atuante. É com essa
concepção que Abissal traz recomendações para uma atuação mais persistente do
maracatu: não esquecer as tradições, mas também não parar no tempo. “Modernizar
o passado é uma evolução musical”, disse Chico Sciense e parafraseia José Lúcio
Bezerra Júnior. Não é esquecer os velhos toques e loas, mas criar novos, não é
esquecer o passado escravista, mas alargar o teor das composições, não é deixar
de lado o vestuário tradicional, mas fazer roupas mais leves e confortáveis
para os participantes, é cantar o maracatu em todo lugar, divulgar a cultura
popular, não fechá-lo em si mesmo. Acompanhar as mudanças do tempo para
continuar vivo.
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